domingo, 21 de dezembro de 2014

VINTE-E-UM





Baseado no conto "DUELO" do livro Sagarana de Guimarães Rosa.


Dona Silivana tinha olhos grandes, de cabra tonta.
Era casada. Seu marido havia ido visitar e
 pernoitar na casa do primo, mas,  depois 
do jantar, já bem tarde, desistiu do pernoite.

Sem contra-aviso à esposa, voltou alta noite.
Era um dia de nhaca mesmo.
Em sua cama, em adultério, a esposa e Cassiano Gomes,
jovem de tiro certeiro, mas com problemas no coração.

O que viu, desviu. Turíbio retornou em surdina.
Depois que o dia clareou e Cassiano se foi, ainda esperou.
Entrou sorrindo, fez festa, beijou Silivana.

No outro dia, madrugadinha, armou tocaia. 
Quando viu o homem na janela, 
deu tiro certeiro na nuca.
Matou e não matou. 
O homem era o irmão de Cassiano.
Turíbio pegou montaria e caiu no mundo.
Cassiano enterrou o irmão e foi em perseguição
para o duelo que nunca aconteceu.

Numa madrugada, tempo depois, saudoso,
Turíbio veio ver Silivana e contou sua estratégia:
Ia fugir até que o coração matasse o desafeto.
Cassiano podia trocar de montaria, 
mas não de coração.

Uma semana depois, a visita foi de Cassiano.
Silivana revelou a estratégia e o esconderijo do marido.
Cassiano foi atrás, mas Turibio se evaporou.

O tempo foi passando...Turíbio se escondendo...
Cassiano, coração doente, procurando.

Turíbio mandou dinheiro e novo endereço. 
Era comerciante  para as bandas de São Paulo.

 Cassiano,  sabendo-se muito doente,
vendeu tudo e foi para a tentativa derradeira.
Não deu...andou dia e meio e, num fim de mundo,
caiu perto de capiau de apelido Vinte-e-Um.

O tempo, a doença, e o dinheiro firmaram amizade.
Quando viu que ia morrer, contou sua história,  
deu seu dinheiro para Vinte-e-Um.

Silivana mandou carta, contando da morte,
dizendo-se saudosa, pedindo a Turíbio para voltar.
Foi como fogo em pólvora.
Vendeu tudo, pegou estrada.

Quase chegando, cruzou com caminhador que, 
tirando o chapéu, perguntou:
- O senhor é seu Turíbio, casado com dona Silivana?

-Sim...estou vindo de São Paulo. Estou alegre de voltar.

O capiau, olhando para os lados, sem encarar, falou:
- Não vale a pena agente ficar alegre.
O senhor, se apeie e reza que eu vou lhe matar.
Peço perdão ao senhor e a Deus.  
É promessa que fiz ao amigo Cassiano.

A garrucha velha, de canos paralelos, não negou fogo.
Turíbio caiu com uma bala na face e a outra na testa.

Vinte-e-Um fez o "em nome do padre" e seguiu.

Um comentário:

  1. Ficou bom, como os demais. Pois vc consegue abreviar o conto e transforma-lo num poema. Meus parabéns!

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