terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O BOI CALUNDÚ




           Baseado em trecho do conto “O burrinho pedrês”, do livro SAGARANA, de João Guimarães Rosa.



Vadico era menino bom, quase um anjo...
queria ser boiadeiro... era filho do seu Borges, o dono.
Bateu pé com o pai, não queria sentar em escola,
pediu por favor...queria pisar na lama, tratar com os bois.

Foi na Laje do Tabuleiro... me assombra só de lembrar.
Seu Borges levara a família para apreciar a boiada receber
 sal com quina, por causa que,
por perto de lá, estava começando a peste.

Quando Vadico viu o Calundú,
boi de quem gostava por demais,
entrou no meio da boiada, foi fazer festa no boi,
dar sal para ele lamber na mão.
O boi correspondia, alisava o menino com o focinho, lambia, devolvia o carinho, parecia gente.

"Quem é que havia de somar"?  
"Aquilo foi de supetão".
O Calundú , com testada, jogou o Vadico no chão.
O menino caiu debruço.
O boi deu passo para trás e foi uma chifrada só.
Quando Calundú puxou a cabeça e soltou o chifre,
o sangue esguichou alto.
O zebu deu as costas e foi andando vagaroso,
que nem que não quisesse ver o crime que tinha feito.
"Seu Neco Borges virou demônio, sacou o revólver".
Vadico balbuciou sua derradeira fala:
- “Não mata pai...não mata nem judia do Calundú”.

O boi foi apartado em curral de fazenda vizinha.
Calundú berrou gemido de fazer piedade à noite inteira.
Venâncio, vaqueiro velho, explicou:
- “Espírito mau entrou no boi ... ele está arrependido...
o boi quer chamar alguma pessoa”.
Foi com mais um para o lado do curral.
Calundú parou de urrar... veio manso, 
encostou na cerca,com jeito de quem 
queria confessar algum mal feito.
Venâncio rezou para ele não poder falar.
No outro dia, de manhã cedo, estava 
morto, de arrependimento, no meio do curral.

5 comentários:

  1. Bem descrito! Ficou bom, conseguiu fazer um poema de uma curta passagem narrada por um vaqueiro. Meus parabéns!

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  2. Bem descrito! Ficou bom, conseguiu fazer um poema de uma curta passagem narrada por um vaqueiro. Meus parabéns!

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  3. Touro assustador este da foto, com os chifres afiados. Parece um touro das arenas espanholas.

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  4. Núbia Nonato escreveu:-"Procurei o sentido para a expressão "calundú", talvez na vã tentativa de entender a "alma" do boi. Me resta a tristeza pela partida de Vadico e o arrependimento do boi que sem poder voltar atrás, se foi. Triste..."

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  5. Maria Célia Marques escreveu: -"Orlando, muito triste. Mais triste do que “Dezembra-me”. O pobrezinho do Calundu não batia em gente a pé, só gostava de correr atrás de cavaleiro. Enfrentou uma onça preta, pondo-a para correr. Matou Vadico, não sei por quê? Ele, antes de morrer, pediu que o pai não o matasse. Ainda bem que o pai não o sacrificou, só o mandou para outra fazenda.. O bichinho ficou uma noite apenas no curral. No outro dia, estava morto. Nem todos os humanos são assim. Emociona tanto! "

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