sábado, 29 de junho de 2013

MINHA MÃE É UMA PEÇA


                                                               Para Dea Lucia Amaral

Não é apenas por ser um filme
que fala de mãe, e mais ainda,
de uma amenizada família Rodriguiana
que precisa, com premência, ser visto.

É mais... infinitamente muito mais.
É ver para crer a obra inovadora,
a arte revolucionária de Paulo Gustavo
que, fazendo rir e chorar, faz refletir.

Não, não é, em absoluto, 
apenas mais um filme.
É um poema moderníssimo, transplantado,
via milagre da cinematografia, 
que decodifica a sensibilidade
para o entendimento de todos.

Salve Paulo 
que não é só Gustavo,
viva Paulo 
que é, também, a musa tão materna
que o pariu,  
o educou e o inspirou,  
para  criar e nos dar esta 
extravagantemente encantadora
"Minha mãe é uma peça" 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

SÓ DEUS SABE.



Quando a campainha tocou, 
o relógio marcava 16h.
De bermuda e deitado, 
lia Nelson Rodrigues.
Levantei-me. 
Descalço fui abrir a porta da frente.

Da varanda vi minha mãe. 

Sua acompanhante
 apresentava semblante de preocupação.

Antes que pudesse me manifestar,
Mary Joe se adiantou:

- “Vim ver o meu neto.
Um amiguinho dele passou
lá em casa e me disse
que o Vinicinho se machucou.”

Disfarçando, a acompanhante
 constrangida, balançou a cabeça em negação.

Após breve hesitação, 
tempo para saber o que falar,
sorrindo,defini:

 Não aconteceu nada com o Vinicius.
Será que a senhora não sonhou?

Firme a mãe insistiu:
- “Quero ver o Vinicinho”.

Mãe, respondi ainda sorrindo,
o Vinicius já tem 43 anos.
Já não mora aqui há muitos anos.

Foi como se tivesse despertado:

- “É isso mesmo... 
O Vinicius mora em Valença."

Como que pedindo desculpas, continuou:

"Meu filho, não sei o que ocorreu.
Não ando com a cabeça muito boa.
Acho que é a idade.
Quantos anos eu tenho”?

A senhora tem 91.
No mês que vem vai fazer 92.

Já totalmente lúcida,sorriu.


Olhou-me, 
balançou a cabeça
em auto reprovação,
acenou em despedida,  
e começou a caminhar
de volta para sua casa.

Ainda pude ouvi-la falar
com a acompanhante:

-“Caramba...91, quase 92 anos,  
onde será que vou chegar?

domingo, 16 de junho de 2013

A FOTO DE ATAIR



Cumprir  os ajustes,
foi sempre coisa minha.

Com a fotografia copiada
e a dedicatória impressa,
fui para casa de Mary Joe.

Entrei anunciando;
trouxe-lhe a foto da Atair,
sua amiga de quem falamos ontem.

Sorrindo esticou as mãos.
Procurou os óculos no pescoço
e deu a primeira impressão:

-“Bonita foto...mas eu não a reconheceria.
Deve ser o tempo, não é, meu filho.
Muito tempo passado.”

Enquanto falava,
mantinha os olhos na foto,
sorria deliciada.

- “Quando você arranjar um tempinho,
vamos fazer-lhe uma visita”?

Disse olhando para mim,
como se procurasse uma confirmação.
Voltou a olhar a fotografia.

“É, ela diz que já não mora em Barra
mas não revela o novo endereço”.

Sem muito pensar, posicionei-me:
- Sua amiga agora mora no céu.

Nada mais perguntou.

Com a foto na mão direita
caminhou dois passos em minha direção.
Encostou a cabeça em meu tórax,
do meu lado esquerdo.
Percebi, como até então nunca,
a fragilidade física de minha mãe.

Estático, não me manifestei.

Envolveu-me com os braços,
com a foto na mão em
suave e longo abraço.

De repente, baixinho,
 bem baixinho,
como se não quisesse incomodar,
começou a chorar.


sexta-feira, 14 de junho de 2013

A B D I C A R


                             Para Bete, maior do que a Muralha da China.

Primeiro, 
e faz tanto tempo,
assustei-me
com o 
descompassar
do meu coração.

Depois,
deixei-a colocar-me
cabresto, 
como fazem 
as crianças 
em suas pandorgas.

Cativo,
permiti 
a ancoragem
em meu coração.

Deu no que deu.
Três filhos,
três netos.

Bendita abdicação


                                   

       



terça-feira, 11 de junho de 2013

S I L Ê N C I O


                                                          Para Dra. AMANDA da REDE SARAH                                 

Na moderna sala de espera estava só.
A televisão convocou-o pelo nome,
Informou-lhe a ala e o número do consultório.

Na porta, a doutora já o esperava.
Lado a lado, como velhos amigos,
sorrindo um para o outro, caminharam.

Na mesa de atendimento,
a tela de um notebook
já ligado, permitiu-lhe saber
que se falaria de seus exames.

-“Hoje vou lhe mostrar como você está.
Posso lhe adiantar, que bem, muito bem.
Infelizmente, apesar dos inúmeros exames,
não conseguimos chegar a um diagnóstico.”

Esperou algum tempo por
uma manifestação que não veio.
Sorrindo, recomeçou:

-“Quando você nos procurou,
veio em busca de um diagnóstico.
Já se sabia portador de uma ataxia.
Queria saber a causa.
Não a tenho, o que não é raro.
Mais da metade dos atáxicos
não são diagnosticados.”

Fez uma nova pausa.
Parecia querer uma manifestação.
Como o silêncio se manteve,
Tratou de quebra-lo:

-“Não pense que perdeu seu tempo,
que se submeteu, novamente, aos
sacrificantes exames inutilmente.
Sabemos que você não tem nenhuma
entre as chamadas  doenças graves,
que são as que geralmente levam a óbito.
Você tem apenas uma ataxia”.

Um período de silêncio um pouco maior.

-“Eu poderia estar lhe dizendo
que o senhor tem um tumor de cerebelo,
uma esclerose múltipla, um câncer.
Felizmente, não é o caso.”

Diante do silêncio mantido,
com toda a ternura, concluiu:

-“Se fosse possível, eu lhe diria
que o senhor fez uma ótima escolha.
Não sei o que provocou a sua ataxia,
Mas, de uma coisa, não tenho a menor dúvida:
o senhor é um homem de sorte, de muita sorte”.



quarta-feira, 5 de junho de 2013

FELICIDADE




Cumprindo sua missão,
é feliz até onde pode,
apesar de exalar amor demais
em  seu dúbios escritos.

Sem a rigidez de um Carvalho,
embora lhe tenha a origem,
nunca foi nem sim, nem não.

Nunca fez milagres,
o que é vantagem grande
pois não se ganha
a pecha de santa.

O meio do caminho
foi sempre o seu preferido.

A origem, perdida no tempo,
não comprovada em documento
dá-lhe certa frustração.

É uma espécie em extinção?

Não...  é como tiririca!

São destinos incertos,
horários confusos,
(e os fusos meus Deus?)
Linhas paralelas
convergentes, divergentes.

Em qual estação saltar?
Era esta, não é essa.
Já passou?  Vai chegar?

Em toda esta loucura
O destino que se procura,
desejo de todos
é estação que nunca vai chegar. 

SÁBIA, SEMPRE SÁBIA.





Hoje,
ao entrar em sua casa,
encontrei-a de pé,
no meio da sala.

Cravou-me um olhar surpreso,
interpelante, inquisitorial, mas.
acima de tudo, assustado.

Em fração de segundo,
percebi-me, para ela,
um estranho. 

Fui ao seu socorro:

De braços abertos, exclamei:
- Mary Joe, minha querida mãe,
como passou o dia?

Em sua face
uma espécie de reviravolta
restaurou-lhe a normalidade..

Desconcertada ainda,
tratou de se justificar:

- “ O que você arranjou?
Está rejuvenescido, mais bonito”.

Prontamente inventei:
Chego do salão;
barba, cabelo, sobrancelhas
e, pasme, hidratante no rosto.

- “Então é isso. Está diferente,
Tão bonito que mal o conheci.
Você não aparenta a idade que tem”.

Feliz, pelo final feliz,
desconversei:

É mãe... mas a idade está aí.
Não tenho como fugir dela.

- “Besteira.
A idade é o que se aparenta.
O resto não tem nenhum valor”.




O DUBLÊ

                                         
                                                                     Para o mestre Nelson Rodrigues


No dia do casamento,
O pedido solene do sogro;
-“Quero um neto”.

Três meses,
seis meses,
um ano.


Sem comentar
foi a  médico famoso,
desconhecido em seu meio:

-“Estéril. 
Sem alternativas.
Irremediavelmente estéril”.

Ao chegar em casa,
desolado, ouviu do sogro;

“E o meu neto”?

Sorriu e não hesitou:

"Estamos caprichando".


Certa tarde,
cinco anos depois,
no trabalho,
atendeu a telefonema
da esposa.

Pouco depois de desligar, 
pálido por alguns segundos, 
entrou em êxtase.

Com o semblante feliz
 gritou várias vezes 
para que todos, na repartição, 
pudessem ouvir:

- "Minha mulher está grávida. 
   Vou ser pai".

Ajoelhou-se e,
comovendo a todos,
com o olhar no crucifixo 
pregado na parede,
chorou convulsivamente,
como só os pais
são capazes de chorar.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

EXTERMÍNIO




Meus olhos 
estão se cansando
de mim, 
da vida.


 Não são
 os que te conheceram.
Não mais 
doces e castanhos.

Já não se cerram 
no dormir tranquilo,
não despertam
 sorrindo para a vida.

São olhos 
duros e frios,
 tristes e pesados,
desbotados e sem vida.

Custa-me crer... 

Serão mesmo os meus olhos?