quarta-feira, 27 de março de 2013

A FERA DE BARRA


Quando cheguei a casa de minha mãe, 
encontrei-a na cadeira de balanço.
Perguntou-me: -"O que há de novo"?

Contei-lhe o rapto e a morte
do menino João Felipe. 
Disse-lhe da consternação 
que tomara conta da cidade.

Indignada, e com a voz firme, 
quase como político em comício, 
angustiada afirmou:

- “ Viver é renunciar.
Renunciamos a tudo.
A renúncia é o que marca nossas vidas”.

A lucidez de minha mãe, 
aos 91 anos, me espantou. 
Mantive-me atento, percebi que iria continuar.

- “É desde o nascimento.
Renúncias na adolescência,
no casamento e, sobretudo, 
renúncias pelos filhos.
E, de repente, vem uma louca e faz com que
todo nosso sacrifício tenha sido vão.”

Levantei-me, beijei-lhe a testa e disse-lhe:

Parabéns!
Brilhante e, sobretudo, inovadora
 reflexão sobre o crime.

Arregalou os olhos, 
espantadíssima e perguntou-me :

- “Crime...que crime? Me conta...”.



domingo, 24 de março de 2013

“PEPEL”






E a lembrança do vozeirão,
ainda na esquina, a gritar:

“Vi...ni...ci...nho”!
"Vi...ni...ci...nho"!

O entendimento é difícil
embora as coisas se encaixem.

O leme do barco se perdeu!

O certo, a ausência contundente
nos que nos cerca, no que ele fez.

Meu sorriso é forçado, doído.
Sou um  vazio infinito, inércia,
entrega, desolação.

O berço fala mais alto.
O exemplo da luta não pode ser vão.

Nas veias o mesmo sangue que corre
Sacode o espírito, devolve a razão.
Quis Deus que eu tivesse seu nome,
que eu me faça digno dele, então.

sexta-feira, 22 de março de 2013

ALMAS GÊMEAS




                                                   Para Bete.

Do discreto bem estar ao seu lado,
a certeza absoluta de sabê-la a amada,
passaram-se apenas dois anos.

Sem semelhança
às imorredouras paixões trimestrais
da adolescência,
este amor,
 em tudo diferente dos outros,
não inflamou.

Foi  aquecendo,
sedimentando-se.

Se não teve a poesia
do botão noturno 
que amanhece rosa,
teve a magia da semente que,
dia a dia,
acaba por se fazer flor.

MEGA - SENA





Pacificação
é a suavidade
em que hoje
meu coração se embala,
tão cheio de ternura,
tão repleto de você.





sábado, 16 de março de 2013

EXORCISMO




Em madrugada comum,
mostraram-se meus fantasmas.

Dois.

Ambos mulheres.

Olhei-as atentamente.

Levitavam em torno de mim.

Estavam felizes,
sorriam uma para a outra
e sorriam para mim.

Insinuavam-se.
Criavam um "clima"

Pareciam mãe e filha.
Incesto?

Fiz cara de bravo.
Acho que me levaram a sério.
Vazaram.

MÃE E ALZHEIMER



No início da noite,

parada na esquina,
uma senhora,
mãe de amigo
aflita me falou:
- “Não consigo encontrar
o caminho de casa.”

Insinuei desimportância:
Vamos juntos!

Trinta metros depois,
ainda a interrogação.
Mais seis passos
fiz a provocação;
aquele prédio ali...
não é o seu?

A alegria aflorou-lhe ao rosto.
-“É...é a minha casa ”.
Depois, a quase súplica :
-“Não conte para o meu filho”.

CONTRACORRENTE




Acordei.

Fiz uma manhã de sol,
uma praia de alegria,
enchi o coração de amor
e me levei para você.

Não estava.

Deixei bilhete
bobo, sem graça.

Desfiz o sol,
a alegria. 
 Fui para casa
ficar triste,
pensando em  você.


quinta-feira, 14 de março de 2013

CAMINHADA

                                                                                       

A rosa que 
não colhi,
por não poder ver,
por não saber cheirar,
 apenas mais uma
que  murchou,
sem poder 
perfumar, 
sem poder 
 encantar. 

O que importa
é que o  amanhã 
é sempre 
um novo dia, 
que depois da lua 
reina o sol 
e que eu
continuo
a caminhar.



SAUDADES



Fosse o vento
um ser pensante,
direcionável,
amável e prestativo,
que como 
criança gostasse
de brincar 
de “leva e traz”,
não estaria eu 
na angustiante
incerteza de você.


EXPLICANDO UM OUTRO “SE”


Se pudesse dizer
tudo o que sente...
se pudesse falar
do amor demais 
que cala...


Se pudesse...
sem  medo, 
sem  culpa,
sem ter de se esconder.

Se não houvesse tanta mentira,
tanto risco,
se não fosse tudo 
um grande sofrer;

provavelmente, perderia a graça,
deixaria de ser a razão do viver.

terça-feira, 5 de março de 2013

PARTIDA




Cheguei.
Não vim por nada,
não vim para nada.
Apenas cheguei e
calado permaneci.

Mas não houve um só,
que ao olhar meus olhos,
não soubesse
que eu chegara 
para partir.

Foi você 
quem se fez flor,
 cresceu 
em meu jardim e, 
em manhã comum, 
desabrochou
abrindo-se em pétalas 
para mim.

Eu, 
que mais que homem 
sou poeta,
extasiado, 
tomei-a nas mãos
e a ternura do meu gesto
foi  rudeza 
em excesso para você.

Ao abrir as mãos,
o que fora rosa,
eram pétalas,
amarfalhadas, 
esmaecidas.

Como cheguei, 
parti.

Não parti por nada,
não parti para nada,
apenas parti.


MINHA ORAÇÃO


                                            Para João de Andrade, tio, pai, amigo e "GURU".



Preciso lembrar-me,
voz baixa 
e a cada 
segundo das horas,
que sou homem,
sujeito a falhas,
pois só sob a 
condição de humano,
serei capaz 
de me perdoar.

Preciso lembrar-me,
voz baixa 
e a cada 
minuto das horas,
que, como eu, 
 meu semelhante
 é humano, frágil e falho.

Preciso lembrar-me,
voz baixa 
e a cada 
instante das horas,
que o perdão
só é válido
 para o imperdoável,
 que o “mea culpa”,
por si só,
impõe o perdão.

E EU?


                                                   
                                                    Para o Mestre e amigo Ivan Coutinho Ferreira



Engano a quase todos,
Até a você.
Mas... e eu?
Consegui enganar-me ?
Impedir que o coração 
disparasse ao vê-la?

É, 
mas disparada 
de coração 
ninguém vê.

Então, 
dispare coração.
Faça o que não fiz.
Não sustente 
o insustentável.

Dói, 
e como dói.

E ter-se que estar só.

Sozinho?

Ah! Se eu pudesse 
ficar sozinho!