Só hoje,
dez meses após o encantamento de Mary Joe,
acordei, novamente,
capaz de escrever.
No intervalo, outras perdas...
a mais sentida, faz poucas semanas,
ocorreu no finalzinho de noite de domingo,
e me chegou via WhatsApp:
“O primo Ly faleceu.”
Como pode o primo Ly, tão jovem,
médico cardiologista, enfartar?
Sou o primeiro e, consequentemente, o
mais velho
de uma relação de primos que não é
pequena.
Somos, precisamente, vinte e um.
Nunca pensei na possibilidade de algum dos
nossos, me anteceder.
Com pouco mais de cinquenta,
foi-se o Ly, apelido carinhoso
do
nome forte, espartano, Licurgo.
A distância,
Ly morava em Santa Catarina,
não nos possibilitou convivência
maior,
limitada, praticamente,
as festas da família que,
nos últimos trinta anos,
com as mortes de Nina e João do Cunha,
origem e foco de tudo e todos,
rarearam, consolidando os afastamentos.
Nos pouco mais de cinquenta anos,
talvez nem meia hora de conversa,
de convívio com
Lycurgo.
Uma pena,
um equívoco do qual me penitencio.
Puxo pela memória.
Vejo-o, com mais precisão, ainda
pequeno,
com uns cinco anos,
aproximando-se da mesa de festa, na hora do
almoço,
no meio de intensa confusão e
gritaria,
com um prato na mão.
Com o linguajar ainda meio
titubeante,
esticando o prato, pediu:
-“Bota qualquer coisa de qualquer
coisinha pra mim.”