Baseado na novela A hora e vez de Augusto Matraga do livro Sagarana de Guimarães Rosa.
Ilustração de Poty.
No leilão daquela
noite, depois que a gente direita foi saindo embora, só ficou a multidão
enchaçada.
Nhô Augusto
estava entre eles, com seus guarda-costas, quando chegou recado de Dona
Dionóra:
Nho Augusto nem deixou o mensageiro acabar
de falar:
- Desvira,
Quim, e dá o recado pelo avesso. Eu lá não vou.
Você viaja,
amanhã, com Siá Dianóra mais a menina.
Dianóra
recebeu o recado em silêncio.
Sentia pelo
desleixo.
Contrariara
e desafiara a família toda
para se
casar com aquele doido sem detença.
Aguentara
sete anos. Agora, tinha aparecido outro.
De manhã, com o sol nascendo, iniciaram a caminhada.
No início do
segundo dia, bem no brechão
do Bugre,
estava seu
Ovídio Moura: -"Dianóra você vem comigo".
Pegou no
colo a menina e falou:
-“Você volta
Quim Recadeiro e fala com seu patrão que Dona Dionóra mais a menina vão viver
comigo.”
"Quando chega o dia da casa cair – que com
ou sem terremoto é um dia de chegada infalível - o dono pode estar: de
dentro ou de fora. É melhor estar de fora. Mesmo estando de dentro, mais vale
todo vestido e perto da porta da rua".
Nho Augusto estava na cama, o pior lugar que há para se receber uma surpresa má. Mandou chamar seus capangas.
Voltou o
Quim com nova desolação.
Os capangas
tinham se ajustado, os quatro, um a um,
com o Major
Consilva. Trocaram de lado.
Qualquer um caipira outro,
sem ser Augusto Estêves,
naqueles dois contratempos,
teria percebido a chegada do azar,
passaria umas rodadas sem jogar,
fazendo umas férias na vida.
sem ser Augusto Estêves,
naqueles dois contratempos,
teria percebido a chegada do azar,
passaria umas rodadas sem jogar,
fazendo umas férias na vida.
Nhô Augusto
era couro ainda por curtir. Cresceu poeira.
Major Consilva foi falando alto, risonho e ruim:
Major Consilva foi falando alto, risonho e ruim:
-“Tempo de
bem-bom se acabou, cachorro de Estêves.”
A capangada
pulou de porretes, derrubou o cavalheiro.
Depois de muita pancadaria, de muitos ossos quebrados,
ressoou a voz do Major:
Depois de muita pancadaria, de muitos ossos quebrados,
ressoou a voz do Major:
-“Arrastem
fora das terras...marquem a ferro e matem”.
Quando o ferro quente marcou a glútea direita,
Nhô Augusto,
com um berro , reviveu,
pulou no precipício onde ia ser jogado.
pulou no precipício onde ia ser jogado.
Deram-no por
morto. Fincaram cruz no lugar.
O casal que morava no fundo do brejo,
achou-o, cuidou das quebraduras.
Meses de fubá ralo, querosene nas feridas bichadas
e muita reza curaram, de corpo e alma, Nhô Augusto,
que passou a ser temente a Deus,
adotou o casal de pretos como seus pais.
Um ano depois, ao iniciar caminhada pelo sertão, ajoelhou-se,
abriu os
braços em cruz e jurou:
- “Eu vou
para o céu e vou mesmo, por bem ou por mal”.
Onde foram viver, de tão bom que ele era,
ajudando a todo mundo e rezando sem parar,
ganhou fama de meio doido, meio santo.
Tempos depois, oito homens,
que de longe se via eram valentões,
entraram no povoado.
O bando
desfilou com o chefe no meio,
O povo com
medo de falar e de ficar mudo.
Nhô Augusto
foi fazer recepção.
Fez convite
para arranchar em seu sítio.
Com todo o
bando, Joãozinho Bem-Bem lá pernoitou.
No outro
dia, na despedida, nos agradecimentos,
Nhô Augusto foi convidado para integrar o bando.
Nhô Augusto foi convidado para integrar o bando.
- Ah, não
posso! Mas nunca que eu hei de esquecer
seu
convite, meu amigo, meu parente,
Joãozinho
Bem-Bem.
Passou mais tempo, muito mais, anos.
Quando,
naquele dia, Nhô Augusto
encostou a enxada na porta,
encostou a enxada na porta,
não
possuía ideia nenhuma do que ia fazer.
Dali a
pouco, nada para retê-lo.
Nhô Augusto estava madurinho de não ficar
mais.
Saiu montado em jumento que foi quem o dirigiu.
Um dia, e
sempre chega um dia,
entraram, os dois, no arraial do Rola-Coco.
entraram, os dois, no arraial do Rola-Coco.
No momento,
uma agitação assustava o povo.
Alegrou-se
ao saber que era seu amigo,
seu compadre Joãozinho Bem-Bem
seu compadre Joãozinho Bem-Bem
Nhô Augusto foi recebido com muita satisfação:
- Êta, mano
velho... estamos de saída,
mais falta ainda ajustar um devido...
mataram o Juruminho...foi à traição...
o assassino caiu no mundo,...
a família vai pagar.
mais falta ainda ajustar um devido...
mataram o Juruminho...foi à traição...
o assassino caiu no mundo,...
a família vai pagar.
Enrolando
palha de cigarro Joãozinho Bem-Bem continuou:
- Gostei da sua pessoa. Já lhe falei e torno a falar:
é convite como nunca fiz a outro!
Olha...as armas do Juruminho estão aí,
querendo dono novo... toque nelas.
é convite como nunca fiz a outro!
Olha...as armas do Juruminho estão aí,
querendo dono novo... toque nelas.
Nhô augusto pegou as armas.
Os olhos cresceram e brilharam.
Nisto, um
breve estardalhaço à entrada da casa.
Era um
velho, o pai do assassino.
- “Ah, seu
Joãozinho, não judia da minha família”.
- E quem é
que teve piedade do Juruminho, baleado por detrás?
- “Então eu
lhe peço que de ordem de matar só este velho".
-Lhe atender
não posso e com o senhor não quero nada.
É a regra... um dos seus dois filhos tem que morrer e,
as mocinhas são para os meus homens.
É a regra... um dos seus dois filhos tem que morrer e,
as mocinhas são para os meus homens.
Nhô Augusto viu aí, a chegada da sua hora e vez.
Dando, com
certa dificuldade, tom calmo às palavras, falou:
- Não faz
isso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem.
O que você
quer fazer é coisa que
nem Deus manda, nem o diabo não faz.
Estou pedindo como amigo.
nem Deus manda, nem o diabo não faz.
Estou pedindo como amigo.
A sua mão
esquerda acariciava a lâmina da lapiana,
enquanto a direita pousava no pescoço da carabina.
enquanto a direita pousava no pescoço da carabina.
- “Pois pedido nenhum desse atrevimento
eu até hoje nunca que ouvi nem atendi”.
Pois então... (e Nhô Augusto riu e era o riso do capiau
ao passar a perna em alguém, no fazer qualquer negócio)
meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, é fácil...
mas tem que
passar primeiro por riba de eu defunto.
A casa matraqueou que nem panela de assar pipocas.
Nho Augusto
ferido e ferindo, gritou:
- A
gostosura de fim-de-mundo.
Para o céu eu vou nem que seja a porrete!
Para o céu eu vou nem que seja a porrete!
Três dos cabras correram. Outros três estavam mortos.
Foi seu
Joãozinho Bem-Bem quem avançou.
Nhô Augusto
talhou de baixo para cima,
do púbis a boca do estômago,
fazendo seu Joãozinho cair ajoelhado,
recolhendo os seus recheios nas mãos.
do púbis a boca do estômago,
fazendo seu Joãozinho cair ajoelhado,
recolhendo os seus recheios nas mãos.
Só então, Nhô Augusto, bambeou.
O velho
correu para acudir.
Quis levá-lo para casa.
Quis levá-lo para casa.
- “ Não... quero me acabar aqui, olhando o
céu.
Diga que meu nome é Nhô Augusto Estêves,
das Pindaíbas”.
Depois,
morreu.