sexta-feira, 31 de maio de 2013

SEGREDO


Em praia seixosa,
Em seixal camuflado
a mulher achou
e apanhou um seixo.

Em contrapartida aos seixeiros,
após burilá-lo, 
por uma semana,
com arte e destreza,
repôs o seixo em seu nicho

Ao seixo adornado 
deu última olhadela.
Jogou-lhe beijo 
explicitado de saudades 
e, embrenhando-se
na floresta de carvalhos,
sumiu.

Parece ter sido este
o primeiro milagre.

A praia seixosa, 
com o seixo adornado 
e o tempo passando
virou santuário.

Velas e flores para Iemanjá, 
(só poderia ter sido ela)
alem de guloseimas e
pedidos de mais milagres.

Para os laicos, 
entre eles eu,
ficou tão somente, 
o enigma criado
pelo seixo adornado.

O que pretendia a mulher?

quinta-feira, 30 de maio de 2013

SEM DOLO


                                                       Para Bete.


No rádio do carro
pluguei o pen-drive.

A voz,
misto de suavidade e rudeza
(en)cantou.

Era Nana:
“- O nosso amor parou por aqui.
Foi bom para você, foi bom para mim”.

Como se houvesse
ouvido o meu pensar
(Como pode?)
Veio em meu socorro:

-“O amor acontece na vida,
estavas desprevenido e,
por acaso eu também”.

Vendo-me, ainda, insatisfeito,
novo socorro; agora, definitivo:

-“Quem inventou o amor,
não fui eu, não fui eu
não fui eu, não fui eu
nem ninguém”.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

DISSIDENTES



                                                                           Ao amigo Ronaldo Ayres.




No Pasta Pizza 
da Avenue des Champs Elysées,
ao iniciar a terceira 
taça de champanhe,
amuado,
 Ronaldo fez a declaração interrogativa:

“Magoa-me muito ver
o que o tempo fez 
com a nossa geração”.

Respirou fundo e, 
apesar da minha
perplexidade, continuou:

“Onde o brilho dos olhos, 
o branco do sorriso, 
o viço da pele?
O que aconteceu com os nossos cabelos?”

Tolerante e sabedor do peso 
das duas primeiras taças,
sorrindo, contra-argumentei:

Não é o que penso e vivo.

Vejo-nos como estávamos,
quando ainda no porão 
da casa da Dona Irene 
(mãe de toda uma geração).

Quando nas domingueiras dançantes,
na varanda do Dr. Paulo Guedes.

O que sinto 
é saudade do estarmos
caminhando na Governador Portela,
com o uniforme do Nilo Peçanha.

Entrávamos ansiosos, 
recendendo 
a “Lancaster”, 
na matinê do Brasília. 

Enfeitávamo-nos para a Exposição.

Sabadeávamos, ao som 
de Ed Lincoln, 
no bar da piscina do BTC. 

Exibíamo-nos no “footing” 
da Governador Portela,
 felizes e fazendo felicidade. 

Inventamos o "Vergonha do Soçaite", 
batucamos no terreirão da sede velha 
encompridando o carnaval.

É assim que nos vejo e, 
sobretudo, vejo a mim.

-“Você não está enxergando bem", interpelou-me. 
 "Vá a um oculista. 
Deve estar com miopia".

Diante do meu contraditório
balanceamento de cabeça
e da afirmativa peremptória
(trôpego sim, míope não),
carinhoso e sorridente diagnosticou:

-“Uma miopia de fundo poético.
Uma bendita miopia”.

Levantou a taça e propôs:
-“Um brinde a ela”.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

MARY JOE



Quando completou
noventa anos,
Sem mais nem menos, 
veio com a novidade:

- “Não gosto do meu nome: Zezé. 
Nunca gostei.
Não se sabe nem
se é nome de homem
ou nome de mulher.”

Meu argumento veio fácil:
O seu nome não é Zezé.
É Maria José.

-“Também não gosto”.

De pé e solene,
pedi autorização 
para um rebatismo.

“O que é isso”? 

A partir de agora,
com a autoridade 
que a condição de 
filho mais velho me dá, 
designo-a Mary Joe.

Sorrindo, repetiu:
-“Mary Joe”. 

Olhou-me com
uma espécie de admiração
E disse:
 “Gostei”.

A partir de então,
entre nós, 
nunca mais Zezé.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O BLOCO DO SERENO



                                      Para João Bosco (Boa Pinta)

De uma das mesas
do Moulin Rouge,
minha cabeça,
na velocidade da luz,
e em sentido inverso
ao das horas,
atravessou o Atlântico
e me deixou na sacada
do Correio da Barra,
sob a proteção
do Chequer Elias.

Foi de lá que eu vi.

Era uma sexta de 1958.

Apinhada, 
a rua Governador Portela
aguardava, 
em desvario,
o Bloco do Sereno.

Assustado,
vi um veículo,
entre o foguetório,
abrindo espaço
na multidão.

Na frente,
sorrindo,
extasiado,
braços abertos,
pintando e envernizando,
bordando, 
chuleando
e engomando,
quase levitando,
João, 
não o “Trinta”,
mas o nosso
 “Boa Pinta”.

Em trono de realeza,
no alto do caminhão,
Angelita Martinez.

A vedete de maiô,
exibia as coxas mais
inacreditáveis e
cor de rosa que já vi.

Aos catorze anos,
olhos arregalados,
estatelados,
perdi a voz.

Quanto mais
as coxas
se aproximavam,
e eu já não via
mais nada
além das coxas,
mais eu tremia.

Quando, acho,
ia desfalecer,
o som de um pistom
e um piscar de olhos,
em um átimo,
me retornaram
ao Moulin Rouge.

Meu Deus!
Por quê?
Estava tão bom.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

DÉJÀ VU






Em Paris,
sabe Deus a razão,
acordei correlacionando
os meus quinze anos,
quando beatificado
levitava com a maior desfaçatez,
com a proximidade dos setenta,
que desobriga
das angústias do protagonismo,
permite a acomodação.

  Dissidente, 
me faço espectador, 
como se estivesse 
na poltrona de um cinema 
e  vivencio,
em inúmeras reprises, 
aplaudido de pé,
o mais emocionante filme 
a que já vi;
a retrospectiva da 
minha própria vida