quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

" KISS ", O BEIJO DA MORTE


                                               

O dia 27 de janeiro 
é emblemático,
faz recuar ao Holocausto. 
Em 1945, 
no dia 27 de janeiro, 
o exército Russo 
abriu o portão de Auschwitz.

No domingo, 
27 de janeiro de 2013, 
acordei com as cenas na cabeça.
Para descrevê-las, 
aguardava o ritual 
de abertura do computador.

Sabe-se lá a razão, 
povoaram minha mente, 
também,
o naufrágio do “Bateau Mouche” 
já no distante 1988 
e a derrubada 
das Torres Gêmeas, 
quase ontem,
onze de setembro de 2001.

Aberto o computador 
o drama se mostrou 
em seu  inicio:
“Oitenta mortos na 
tragédia de Santa Maria”.
Pouco depois, 
mais de duzentos.

Nas proximidades de Cracóvia, 
Polônia, 
quatro “casas de banho”
gaseavam judeus, 
ciganos, negros, 
homossexuais e dissidentes.

Em Santa Maria, 
o descaso 
disfarçado de “fatalidade” 
trouxe com gás, 
semelhante ao utilizado pelos nazistas,
a morte por asfixia 
onde o que havia 
era confraternização, 
era alegria.

Na entrada, 
o letreiro também 
enganava a todos: 
“Kiss”.
O beijo da morte, 
o novo e nosso 
Holocausto. 




sábado, 26 de janeiro de 2013

O AVANÇO DAS GERAÇÕES

                               Para minha querida neta Carol

Aos quinze anos via,
com estranheza,
meu pai alheio 
aos festejos 
carnavalescos.

Na “terça gorda”, 
em especial,
Vontade irrefreável, 
mas contida,
de dizer-lhe:

- Vamos lá, pai. 
É o último dia!
Amanhã não tem mais. 

Cinquenta e cinco anos depois,
recostado na cama, 
assisto TV.

Carolina, neta,
bate na porta perguntando:

- Vô?

Entra Carol, respondo.

Fantasiada de "Roberta", 
abre a porta, sorri e fala:

- O Vô... Vamos. 
É o último dia. 
Por favor! 
Você vai adorar. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

BAR BAGDÁ




Para o Sr. José Gonzales, o Seu Pepe.

Na porta do bar,
pescoço e cabeça 
transformados em periscópio,
com o copo de cerveja na esquerda, 
um quibe na direita,
curtia-se o ir e vir das meninas 
na rua Governador Portela.

Sim... na rua, não nas calçadas
e em organizada mão dupla.
Do lado do Bagdá 
as que iam em direção à Praça Nilo Peçanha.
No lado oposto, lado do Correio da Barra,
as que caminhavam para a Esquina do Pecado.

A década de cinquenta 
entrava em seus últimos anos.
Nós, quase levitando, 
debutávamos.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

POETA







O risco maior 
que corre o poeta
é soltar, 
de não poder conter,
o bicho escondido, 
retido, 
no âmago de todos nós.

O privilégio maior 
é poder soltar,
de não querer conter,
de não precisar calar,
o bicho encravado
no peito de todos nós.



OS NÚMEROS E A INFIDELIDADE




Um... dois... três.
Duas vezes um... dois.
Dois mais um... três.

Junte vinte e cinco e sessenta.
Alcançam-se oitenta e cinco anos.
Idade de mais, 
amor de menos.
Surge, com dezoito, o número três.

BODAS DE PRATA




Sem maiores entusiasmos 
você recebeu as rosas.

Foram as mais 
perfumadas que encontrei.

Mal leu os versos 
que lhe fiz.

Não abriu o 
embrulho dos doces,
os mais recheados 
que já se fez.

Você não sorriu, 
não chorou,
não correu para mim, 
não me abraçou.

Na televisão, 
que você não desligou,
o Chacrinha perguntava:
-“Vai para o trono ou não vai?”

domingo, 20 de janeiro de 2013

O IMORTAL BTC




Em manhã luminosa de domingo,
na pérgula da piscina do BTC de hoje,
sentei-me sozinho em uma mesa,
 e pedi ao garçon Jair uma brahma.

Olhei ao meu redor examinando, atentamente, o clube.
Depois, enquanto aguardava a cerveja, 
fechei os olhos, voei. 

Não, este não é o BTC. 

Onde a sede velha? 
O que fizeram com as varandas?

Quero abraçar o Edyl de Mattos Moraes
e acarinhar o grande Nelson Teixeira.

Vim para o carnaval.
Preferência? 
Mesa perto do “Sapo”.
Garantia de “cuba” e o escamoteio da “lança”.

E o maestro Toledo que não começa?



Paro na mesa do Jair Asmar,
certeza de uísque.


Passam George do Seu Milton, de pandeiro, 
e Jair Anchite, "metade homem, metade mulher”

Alguém canta o refrão do hino:
“Azul do céu, branco da paz.
A alegria é você quem faz”.

A voz do garçom ao meu lado,
trazendo a cerveja, 
me "desperta",
me devolve aos dias de hoje.

Tomo a cerveja
com os olhos vermelhos,
a voz embargada,
com uma vontade imensa de chorar.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

MEU PAI MORTO




                       Para o Embaixador Ovídio Melo, JUCA, autor do quadro.

Surpreendentemente,
vejo-o no banco da varanda,
aquecendo-se ao sol.

O meu sorriso, 
sem nenhum assombro, 
que coisa de doido, 
veio natural.

Alegria no rosto, 
apressado, 
prevendo nosso abraço, 
abri o portão e,
desastrado, 
parece que o assustei.

Sorrindo, 
 foi se desvanecendo.

Com olhar de quem se desculpa,
foi sumindo, sumindo e sumiu.

MAIS UM



Era necessário 
que hoje,
você estivesse
em nossa cama.

Eu queria 
que você visse,
 abraçada a mim, 
a minha nova idade 
amanhecer.

Eu precisava que,
no momento exato,
você me beijasse
e fosse a primeira
a me ver envelhecer.


HERANÇA




Esta tristeza
 de alma e a casa,
herdei-as 
de meu pai.

As duas, imensas.

A casa, 
enfeitou-se com a família.

A tristeza
guardei-a disfarçada,
com avareza, para mim.

DESAFEIÇÃO




É necessário 
conscientizar
que o eterno 
inexiste.

O que vem, vai.
Vai e nos deixa,
entre o tudo que foi
e o nada que é.

E ELA VEIO


                                     

Já dormia quando
tocaram a campainha.

Obliteraram 
o “olho mágico” 
com o dedo.

(Por que os tristes 
estão sempre brincando?).

Ao abrir a porta, 
com o sorriso, 
o questionamento:
“Oi! Posso entrar”?

Raios!

Por que me faltam 
os dons divinos?
Por que não me 
transformei em uma rosa
e tudo o mais 
em um jardim?




CICLO VITAL





                                      Para o amigo Henrique Nora

    Era o que se previa:
questão apenas de tempo; 
horas, dias,
uma semana talvez.

Triste 
é a impotência 
diante do fato. 
Doído será o convívio 
com a saudade no dia a dia, 
a lembrança sempre presente
na "Esquina do Pecado"
no café da Deusa 
no ginásio do Sesi.

O Henrique vai fazer falta.
Muita.



MOÇA FLOR



Cuidado... frágil.
Era o que parecia dizer 
aquela menina.

Ninguém ouviu, 
ninguém acudiu.

Era uma família de surdos?
 Uma sociedade de mudos?

Um dia, 
sem que as formalidades legais
fossem preenchidas, 
a menina pariu.

Fez-se o milagre!

A vizinhança 
criou ouvidos,
a boca da família 
se abriu:
-" Que vergonha"!

MEU PAI



Vieste-me, 
primeiro,
em sonhos... 
nas madrugadas.

Hoje, 
com o som de um piano,
em pleno dia, 
quase pude vê-lo.

Pena 
a música 
ter se acabado
e de você 
apenas o quase.

FOGUEIRA


                                                                           
São Pedro 
ou São João?
A noite é de 
fogueira,  
é de balões.

O que importa 
o nome do santo?

Há tanta beleza!

Olho o céu 
e procuro a lua 
que a noite não teve.

E, lua para quê?
Como se não bastassem 
o brilho do olhar, 
a malícia do sorriso.

Sorriso  
acompanhado,
talvez por isso, 
tão bonito.

Sorriso interno,
vem que quero.

Sorriso externo, 
fica que não posso.

Olhei para o céu, 
caía um balão.

Com ele, 
toda a tristeza
que só um 
balão caindo
pode ter.

DESAMOR


                                                                     Para  Jorge Guilherme A. Aiex


Nada justifica 
o sacrifício da vida, 
muito menos 
o desamor. 

Se o cigarro 
já lhe queima os dedos,
jogue-o fora;
seja mesmo o último 
e o bar mais próximo 
esteja a uma noite de você.

CAMINHAR





Com sorriso nos lábios
ou com nó na garganta,
mantivemos sempre 
as mãos dadas,
os dedos entrelaçados.

Vinte e cinco anos de caminhar.

O que foi feito 
da menina moça
que conturbou minha alma?

Fez-se viga mestra,
quilha, 
ponto de equilíbrio.

Enraizou-se, 
encrustou-se,
fundiu-se no peito  
que encantou
de não mais desencantar.









ACOPLAMENTO


                                                                     Para Bete.                    

O simples acoplamento 
já não me satisfaz,
não me dá a sensação 
da posse total, 
não basta para me fazer feliz.

Tal qual exímio mergulhador 

quero atirar-me entre suas pernas,
invaginar-me em seu ventre, 
acomodar-me,
frenético e possessivo 
no interior do seu útero.

Nem líquido amniótico 

para nos separar.
Cordão umbilical é pouco 
para nos interligar.

Quero ponte de safena 

contatando nossos corações,
seu sangue borbulhante 
em minhas veias.

Que nossos corações 
não se respondam,
batam juntos.

Quero ouvir 

com os seus ouvidos,
 respirar com seus pulmões.

Que meu cérebro 

desvirginize o seu.

Quero esvair-me e, 

como fumaça, 
impregnar suas células 
acabando com os limites, 
eliminando as fronteiras 
do você e eu.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

RENASCIMENTO



De repente, 
quando era certo 
que o dia seguiria
entrando suave 
no amanhecer,
eis que se faz, 
sem explicações maiores,
um sol imenso 
que revive manhãs, 
leva por trilhas 
esquecidas.

De repente, 
com o cheiro 
do amanhecer,
a mente confusa
deixa-se levar 
no renovar 
fora de hora,
por adrenalina que agita, 
enche de sobressaltos.

O homem 
dá lugar ao menino.

O ar é leve, 
o riso é fácil, 
os olhos procuram, 
as mãos tateiam.

O coração 
disparado, 
se entrega, 
se integra. 
Descompassado,
sem cadência, 
sem precisão; 
como criança aprendendo a andar.


PAIXÃO









Quando redigi o e-mail
antegozei sua alegria.
Imaginei-lhe o sorriso
de acatamento 
ao meu enamorado convite.

À noite,
com a alma 
em transe, 
aguardando sua chegada,
ouvi barulhos inexistentes.

Corri tenso 
(algumas vezes) 
até a porta
 na certeza frustrada dela.


O passar das horas, 
a chegada da madrugada
apaziguaram-me 
o coração.

Veio-me, 
de imediato,
a certeza 
consoladora:


Certamente não leio o e-mail, 
não ligou o computador.

LEMBRANÇA


No céu escuro,
uma única estrela
e o constante pisca pisca
da luz de um avião.

Passou o avião seguindo, 
indiferente, sua rota.
Ficou a estrela 
em sua imensa solidão.

Não pude deixar 
de lembrar de nós dois:
eu, estrela, 
você, avião.

domingo, 13 de janeiro de 2013

DEUS É BRASILEIRO


                       Para a amiga Miriam Monteiro

Morre-se no Norte e no Sul.
“Causa mortis”: chuva.
Água demais 
água de menos.
Dois extremos 
e um final comum:
morte no norte, 
morte no sul.

Veste-se o assassino de fome,
Dão-lhe o nome 
de subnutrição.

Mentira!

Se o que se planta 
morre de sede
e o plantador 
morre de fome,
por que se acoberta 
a falta da chuva
no extermínio 
de tantos irmãos?

Disfarça-se 
o assassino de lama,
de pedras roladas 
de prédios no chão.

Nada disso haveria 
se o que é excesso no sul
não fosse escassez 
constante no sertão.

Que o povo inteiro 
uníssono,
na esperança última, 
faça nova oração.

Que se peça 
mais igualdade,
que seja mais humana 
a distribuição.

MENINA MÃE



Qual seria a sua idade?
Não mais do que quinze.
Enganchada nela, 
a criança de meses.

Na pele lisa 
do ombro desnudo, 
apoiava a cabeça do filho, 
 nariz escorrendo.

Destacado abandono
na multidão da calçada, 
pés descalços,
seguia sua falta de rumo.

A criança do colo parecia dormir.
A outra, travestida de mãe, 
não aparentava estranheza, 
 não vivia o excêntrico do quadro.

Caminhava sem 
 questionamento, 
 com indiferença 
igual ou maior, 
a indiferença da multidão
com a qual se confundia. 

DONA ROSINHA




Na pia batismal,
 Rosa.
Na vida, 
Dona Rosa.

Por ser boa, 
muito boazinha, 
saiu perdendo;
de Rosa 
virou Dona Rosinha.

Fosse este um mundo justo,
Dona Roseira, 
sem o menor susto.

Se mais que justo, 
fosse fraternal,
O nome correto,
Dona Roseiral.
                               

UNIVERSO LEXICAL




Deveria 
ter me limitado 
a migrante de mim.

Risco descabido 
emigrar 
para você
que nunca 
imigrou 
para mim.

MOSTRE-SE


                 Para Maria Alice De Toledo Gaspar, mais do que admiração, com reverência.


Diga-me, 
primeiro,
o que a vida 
fez com você.

Abra-se.

Risos e prantos
até 
desanuviar o coração.

Feito isto, 
diga-me:

O que você 
fez com a vida?




MARIANO, MEU FILHO


                                                      Para Deus.



A fragilidade dos anticoncepcionais 
patenteou-se 
com teus primeiros sinais de vida.


Foste o último a chegar.
Chegaste, a bem da verdade, 
sem ser convidado.


Menino ridente 
que me comove até as lágrimas;
de onde essa alegria 
que contagia e transborda?


Assusta-me saber que devo 
teu convívio à sabedoria de Deus 
que fez homem e ciência falhos.


Eu te agradeço e te peço perdão.
É que eu não te conhecia.


SESSENTA E NOVE



Não...  
é  apenas 
contagem do tempo.

Mais um ano
 me reporta ao passado,
me devolve ao presente.

Por esta calçada 
(já faz tanto tempo!)
passei com minhas 
botas mágicas,
maravilhado, 
maravilhando.

Pela mesma calçada, 
trôpego e sem as botas,
passo,  ainda hoje,  
inexplicavelmente 
maravilhado.