quarta-feira, 28 de agosto de 2013

MANDINGA


                            

                                                                                    Para a amiga Emília



Chegou sem pedir,
sem dar explicações.
 
Por meus olhos,
invadiu-me,
arranchou-se
em meu coração.
 
Como chegou,
partiu.
 
E eu ,
feiticeira desalmada,
como fico?
 
O encanto não acabou.
 


sábado, 24 de agosto de 2013

REFAZENDO A CALÇADA



A prosa não começou bem.
Queixava-se dos quatro
sacos de cimento
empilhados na varanda.

Sentia-se tapeada.

“- Compram demais, querem que sobre”.

- Não, mãe, expliquei.
Não foi fácil arrumar um
para trabalhar no domingo.
Se faltar cimento,
não terá como terminar o trabalho.

Coçou a cabeça,
olhou-me contrafeita.
Virou-se para um lado,
depois para o outro.
Ganhava tempo.
Finalmente, disparou:

-“É... você tem razão”.

Sorrindo, após nova pausa, prosseguiu:

-“Estou ficando meio caduca.
Sorte ter você por perto,
para pôr as coisas no lugar.
Mas é sua função.
Você não é meu pai”?

Agora sorrio eu.

É, é minha função,
mas eu sou seu filho,
não sou seu pai.

-“Falei meu pai”?
Sorrindo novamente:
“Não disse que estou caducando”?

Referindo-se, penso eu,
ao início da prosa,
continuou com seriedade:

-“A fala tem valor,
tanto ou mais que a escrita.
É preciso pensar antes.
Fazendo assim, já é difícil,
imagine se não!
Os perigos estão por aí,
em cada esquina da vida.
Dizem.
Eu digo mais.
O perigo está dentro de nós.
É preciso cuidado no lidar.
Nós somos o perigo”.


sábado, 17 de agosto de 2013

OS ANOS



A proximidade dos setenta
não me assusta. Juro.

Quase em pânico fiquei,
ao completar quarenta.

Aos vinte e cinco,
achava que cinquenta
seria limite justo,
data  boa para vazar.

Inteiro, 
com cabelos, 
boa pinta,
sem barriga, 
enfim, no auge.  
Provavelmente
até causaria 
certo frisson

Cheguei aos quarenta 
e vi o filho mais velho 
com quinze.
Mariano, o caçula, com dez,
Bianca, minha princesa, 
entre os dois  
e toda uma vida
ainda para ser construída.

Foi quando 
caiu a ficha,
vi o tamanho 
da encrenca.

Não poderia subir
 aos cinquenta.

Em apenas dez anos,
não daria conta do recado.
Explico, assim, o pânico prévio.

Deus, 
sempre generoso,
permitiu-me estar agora,
caminhando 
para os setenta.

História escrita.
Nada a dever,
nada para temer.

Apenas tateando,
desfrutando 
como nunca,
da companhia,
sempre tão 
querida da Bete.

Tentando entender, 
ajudar e aceitar ser 
ajudado pelos filhos,
geração tão 
diferente e por isso,
também, 
dou graças a Deus.

Curto os netos
deliciado 
com suas infâncias,  
assustado com 
a adolescência.
Certamente, quase tanto
quanto assustei 
aos meus pais.

Vivencio meus amigos,
curto-os com todo carinho,
sem pressa nenhuma.

Amo a todos eles
e lhes sou muito grato.

Se agora quero ir?  
Claro que não.
Nunca esteve tão bom.

Mas,um dia, é certo, chegará a hora.

Quando ocorrer,
irei, espero, tranquilo,
com a sensação de quem
acaba de acordar
de um sonho bom,
ainda meio estonteado,
sem entender direito,
mas, sorrindo.   

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

ACABOU



                                                   Para Beth Nunes com crescente admiração.

Na antevéspera,
só pode ter sido uma premonição,
ainda na cama, 
disse-lhe
olho no olho, 
quase suplicando:
-"Não saia da minha vida,
não me abandone nunca".

Dois dias depois, 
na sala, com uma das filhas,
ouvi o som alto e denunciador
de mensagem no celular.
No texto curto,
um rompimento inesperado, absurdo.
Desligo.

Trêmula, disfarço e invento 
mais uma mentira,
antecipando-me a filha
que queria saber se era seu pai.

Tranco-me no banheiro.
Leio e  releio; 
uma, três, dez,
sei lá quantas mil vezes
antes de deletar.
Apenas três linhas
foi o que mereceu
história de dez anos: 

- “Não mais. Acabou. Já não faz sentido".


Há seis meses 
procuro um sono que não chega,
 que me enfia, goela adentro,
de quase me fazer regurgitar,
a insônia que, invariavelmente,
me empurra para os braços tatuados,
para o cheiro embriagador do “Azarro”,
para os dentes 
que mordem sem deixar marca externa, 
mas que estraçalham por dentro,
e que me faziam, 
em algumas tardes,
meu bom Deus que me perdoe,
 sentir-me mulher.


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

CONFISSÃO


                                                                 Para Mirela Blazutti Anchite


Agora dei para isto: 
quando menos espero
a imagem dele 
está em minha mente,
 quase ao meu lado.

Zango comigo e falo 
olhando-me no espelho:
“Criatura, você é mãe 
de três filhos... é avó”!

Era coisa 
totalmente esquecida,
perdida como os quase 
cinquenta anos passados,
na qual nem mesmo eu 
já me ligava mais.

Não era, na verdade, 
coisa nenhuma.
Desimportante,
apenas lembrança desbotada 
e que, frustrada,
constato, só agora 
na atualidade,  
sua unilateralidade.

Coisas da infância, 
criação da mente, 
 paixão de aluna 
aos seis anos, 
pelo colega, pelo professor.

Como o pote de ouro 
no final do arco-íris, 
existente apenas 
na menina ensimesmada 
e sensível que fui.

Se o visse, 
nos dias tão distantes de hoje,
se cruzássemos, 
via ciladas que a vida nos arma
a mesma calçada, 
certamente não nos reconheceríamos;
nem eu a ele, o que lamentaria, 
e muito menos ele a mim.

Um dia, 
e que coisa mais estranha é a vida,
sem que previsibilidade nenhuma 
pudesse justificar,
sem que me lembre como e via quem,
navegando inocente neste bandido
 e tão querido “facebook”,
vejo sua foto e, o que foi pior, 
o que foi fatal: li seu texto.

Ah!.. para quê? 
Mãos trêmulas, 
nocaute... 
lona na hora.

Fui adicionada ou adicionei? 
Nem isto, juro, mais eu sei.

Como disse, não foi lento nem progressivo.
Foi instantâneo, imediato, súbito.
Como uma brisa, 
até um pouco mais forte,
com intensa fragrância 
de saudades soprando em mim.

Apesar dos anos passados, 
tonta, voltei a me encantar,
sentindo falta de ver, 
de querer tocar, 
 de conversar
com alguém para quem, 
na verdade, nunca existi,
e de quem,
 a vida inteira ausente, 
nunca esqueci.