segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A ADORÁVEL DOR DE NUNCA TE TER


                         Para Cid Castro

Se pudesse,
queria,
hoje e sempre,
colorir o seu dia.
Seguiríamos juntos,
não veríamos apenas,
a vida acontecer.

De mãos dadas,
contaríamos os dias,
teríamos filhos,
abraçaríamos os netos,
resistiríamos até
o nosso anoitecer.

Quebradas as regras,
derrubadas
as convenções,
seríamos os pioneiros. 

A partir de nós
instituir-se-ia que,
acima de tudo
e sempre,
prevaleceriam

as leis do coração.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

DUAS MULHERES



Estancou-me
a novidade:
o quadro na parede.

Duas mulheres:
uma de frete,
 outra de perfil.

O questionamento primeiro:
duas ou uma única,
de frente e de perfil?

Remeteu-nos
aos anos 70,
e nos trouxe,
forte, muito,
a imagem saudosa
da doadora já encantada.

Criamos,
imaginações férteis,
história de amor,
desencontro,
paixão,
reencontro.

E lá vem François Malherbe
martelar minha cabeça:

- “ Ela viveu o que vivem as rosas,
o espaço de uma manhã”.

Seriam as duas uma única ?

O título, “Duas mulheres”,
diz que não.

Será?

A análise crítica
estabelece diferenças;
uma triste e atormentada,
outra, atrevida, desafiadora.

Depois, filosofando,
reabre-se a questão:
- “São dois “eus”
de uma pessoa.
Qual “eu” sou?
Quem sou “eu”?

Sementeira de dúvidas,
nó que não me cabe desatar.

Volto ao início.
Estanco.
Sigo em frente.



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

ESQUIZOFRENIA




A calçada era a mesma.
O sentido do caminhar
é que era  inverso.

Bem próximo, parou.
Jovem e bem vestido.
Olhando-me,
descontrolado,
berrou:

- “Como você pode ser tão insensível?
Você não tem coração”?

Estanquei assustado.

-“ Você não se apieda de mim?
Não vê o mal que me faz”?

Tentando entender,
olhei-o fixamente.

Não olhava para mim.
Era um olhar embaçado,
indistinto, para dentro.

-“Seu coração é de pedra?
Não vê as minhas lágrimas”?

Com um crispar da cabeça,
e um piscar de olhos,
recuperou a lucidez e

seguiu amnesiado.  

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

VALEU



Os setenta anos criaram e delimitaram dimensões.
Entre elas, o antes e o depois.

O “depois” penso ser curto, pequeno. 

Prevejo o semestre apenas. 
É o bom senso. 
Ultrapassado o prazo? 
Um novo planejar semestral.

O que me encanta é o “antes”,
com setenta anos de duração.

Minha primeira paixão
foi dona Virgínia,
alfabetizadora da Dona Nina,

Meu “guru”, já decantado,
João de Andrade,
nosso querido “Chuchu”.

Minha admiração maior
ficou com Dona Irene,
mãe de toda uma geração
que se forjou no porão
do casarão da Amaral Peixoto, 29.

Hélio de Carvalho foi meu herói
e  promovedor dos meus Natais.

Como filme 
que não me exaure,
não me sacia, 
minha mente exibe
o pátio do Nilo Peçanha,
os bailes na sede demolida do BTC,
a piscina ,
as domingueiras na varanda
do Dr. Paulo Guedes.
Os carnavais,
o bar do Pereirinha,
a Banda do Maestro Toledo.

Na pérgula da piscina do Tênis de hoje,
a garotada que me chama de doutor,
curte a ensolarada manhã de domingo,  
ao som que incendeia de alegria,
o festivo ambiente :

-“ Como será o amanhã...”?
- " A minha alegria atravessou o mar..."

Revejo-me neles.
É um recordar 
que me alegra,
me emociona, 
me dá a certeza
de que valeu.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

AMOR INCONDICIONAL


          Para minha Mary Joe

No bairro de Sant’Ana,
na Rua Angélica,
no sobrado de número 23,
após sala e quartos,
seguindo pelo corredor
e antes da cozinha,
um banheiro
comprido e estreito
tomava quase toda
a largura da casa.

O terço inferior
de suas paredes
era pintado de uma
variante do vermelho,
o terracota de hoje.

Falo de 1950 quando
Mary Joe, refazendo
as cavernas da pré-história,
grafou no vermelho,
no canto esquerdo
do início da maior
das quatro paredes,
com giz branco,
a tabela de somar de dois.

-“Dois mais um”? -"Três".
-“Dois mais dois”? - "Quatro".  

Foi a primeira de toda a tabuada
que, com o passar do tempo,
foi grafando na parede.
Por quanto tempo,
não sei, mas foi bastante tempo.

Certo dia,
ao entrar no banheiro
não havia mais tabuada.
Mary Joe havia apagado
os “hieróglifos”.
Assustado, questionei;
Mãe...o que houve?
Sorrindo, me sossegou:
-“Não precisa mais...
você já sabe contar”.