segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A ENCHENTE

Baseado no trecho final do conto "O burrinho pedrês" 
do livro SAGARANA de João Guimarães Rosa


Na ida,  atravessaram o riacho já em cheia.
Agora, volta, outra estória, era noite e chovia muito.
“- Os cavalos estão assustados... é a  enchente”.
“Mas o riacho está longe...pelo menos meia légua”.
“É mais não, o rio cresceu, engordou, veio até aqui”.

Resolveram esperar o burrico. Ele iria decidir.
 Burro não se mete onde ele não pode sair.

Badú, com o corno cheio, bêbado que nem gambá,
havia se atrasado e só restou, para ele, o burrinho.
Surgiu agarrado no Sete-de-Ouros, dormindo,
pernas compridas, os pés quase tocando o chão.

No barranco do rio, Sete-de-Ouros parou.
Orelhas firmes, para cima, para os lados,
tomava conhecimento com o vento.
Foi intervalo pequeno. Queria ir para casa.
Avançou resoluto. Os cavaleiros o seguiram,
menos Manico e Juca que medraram e voltaram.

Nove cavalos mais o burrinho  na enchente. 
Eram cabeças se metendo na volta de um laço.
Quando todos os cavalos já nadavam, 
um remoinho serpeante, encapetado, os separou;
dali pra frente foi um salve-se quem puder.  
Dilúvio sem fim, o mundo boiava, o rio era mar.

Por um instante o burro para... 
deixa passar tronco... seria testada de touro.
Vestido de água, só queixo de fora, o burro, 
sem nenhuma pressa... deixava-se levar.
Francolim, farto de beber água sem copo, 
alcançou o rabo do Sete-de-Ouros e se agarrou.

Noite feia! 
Oito vaqueiros boiando, córrego abaixo, de costas, 
porque só as mulheres, os rios conduzem de bruços.

Sete-de-Ouros voltou a sentir terra nos cascos...
parou de nadar... trotou o trecho final.
Quando estancou, com um mole meio coice,
despediu Francolim que chegou depois. 
Com Badú, pegou estrada, caminho de casa.
Da cavalhada, Sete-de-Ouros foi o único que voltou.

4 comentários:

  1. Querido irmão, achei o texto ágil, sem deixar de contemplar o que de melhor tem a história do Burrinho pedrês. Demorei para fazer o comentário porque fui ao texto original instigada pelo poema e querendo reativar a leitura feita há longos anos. Você condensa muito bem o que o autor conta sem pressa : a sabedoria do velho burrinho que ainda mantém , em sua decrepitude, a sabedoria, o faro e o instinto que o levam a se salvar e , " de quebra" a dois empregados da fazenda. O mais engraçado é que Badu, um deles, estava alcoolizado a ponto de não perceber o perigo.
    Espero que continue com essa experiência. O " tecer " o texto roseano com palavras mais acessíveis , mas sem fugir de sua essência , pode criar em seus leitores o desejo de visitar o grande mestre. E não é o que todos desejamos: criar mais leitores? Bjs. Parabéns. Gostei muito.

    ResponderExcluir
  2. Maria Célia Marques escreveu: -"Sete-de-Ouros voltou a sentir terra nos cascos... foi o único que voltou. É assim a vida! Lindo, embora triste."

    ResponderExcluir
  3. O poema é uma fábula, ficou muito bom. O burrico exerce o papel de sábio devido a idade,acostumado a muitas viagens tocando manadas tomando chuvas, ouvindo trovões e vendo muitos raios rasgarem o céu diurno e noturno, sete de ouros é um burrico fantástico. Salvou-se do dilúvio e com ele o bêbedo do Badú, sorte teve Francolim, conseguiu agarrar-se ao rabo do burrico, levando por conta um leve coice de despedida. Sete de ouros foi o grande herói da história. Este poema ficou muito bom. Meus parabéns!

    ResponderExcluir
  4. O poema é uma fábula, ficou muito bom. O burrico exerce o papel de sábio devido a idade,acostumado a muitas viagens tocando manadas tomando chuvas, ouvindo trovões e vendo muitos raios rasgarem o céu diurno e noturno, sete de ouros é um burrico fantástico. Salvou-se do dilúvio e com ele o bêbedo do Badú, sorte teve Francolim, conseguiu agarrar-se ao rabo do burrico, levando por conta um leve coice de despedida. Sete de ouros foi o grande herói da história. Este poema ficou muito bom. Meus parabéns!

    ResponderExcluir