sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O PACIFICADOR



Baseado no conto "Tarantão, meu patrão", de Guimarães Rosa, do livro "Primeiras estórias"


Era um homem velho, 
caduco, de nome Dinis.
No mais perto da verdade,
quase um moribundo.
Fora levado à fazenda
para não vexar os parentes.
Cercaram-no de conforto,
de gente preparada para cuidar.
O velho Dinis, agora
por estar atarantado,
era chamado de Tarantão.

Naquele dia, ainda madrugada,
em caduquice inusitada,
Tarantão arreou cavalo.

O cuidador principal,
acordado as pressas,chegou. 
Tarantão definiu:
-“Menino, hoje é sério demais para você. Fique fora”.

Pelo peso da palavra percebeu
que Tarantão estava em tempo de guerra.
Ia matar o sobrinho-neto,
o doutor Magrinho, médico que o tratava.

Já na sela, pronto para fazer e acontecer,
não deu ao tratador, outra alternativa.
Em dia de Sancho Pança,
pegou montaria, foi atrás de Tarantão,
que calçava botas: uma  preta e a outra marrom.
 Na mão do braço direito, portava faca de mesa.

“ Vamos direto pegar o Magrinho.
Hoje eu acabo com aquele médico”.

Durante a andança, 
convocou quem encontrava,
e não faltou quem aceitasse o convite.

Já no arraial do Breberê,
quando ouviram foguetório de festa local,
Tarantão parou e, para a comitiva,
que já era de cinco, explicou:
-“Tão me saudando. 
Sabem que sou matador”.

Quando chegaram à cidade do doutor,
  era uma cavalaria de treze.
Foram direto para a "casa grande".

Encontraram a família em festa.
Batizado da filha do doutor Magrinho. 
Todos se assombraram ao ver Tarantão.
Como teria adivinhado o dia, 
a hora justa da festa?

Para os parentes, surpresos e em remorsos,
Tarantão ergueu o braço.
Cabelos e barbas brancas.
  No meio, o azul 
daqueles seus grandes olhos.

-“Eu peço a palavra”

Era tudo um só espanto!

Voz portentosa, sem paradas,
falou sem que nada se entendesse...
baboseiras das quais ninguém sabia,
ideias tortuosas, esquecidas ou mal lembradas.
Falou, falou, até que, porque quis, parou.

Os parentes o aplaudiram, 
se abraçaram,
 saudaram-no como a alguém 
muito querido e deram-lhe 
a cabeceira da mesa.

O velho de tudo provou,
bebeu e comeu.
 No fim da festa, pacificado, 
fez cavalgada de volta

Na outra manhã, da sua cama,
não se levantou.
 De olhos azuis escancarados,
com sorriso nos lábios,
Tarantão havia se "encantado".


5 comentários:

  1. Tarantão estava alucinado, ultrapassou o limite, mas a recepção amigável do desafeto o desarmou. Transformando o que poderia ser uma tragédia...em uma reunião alegre e festiva. Mujito bom, meus parabéns!

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  2. Pensei no meu pai e suas visagens pois se forças ele tivesse até eu levaria rabo de arraia. Texto gostoso de ler, eu espero que em minhas caduquices somente as borboletas me acompanhem. Abração amigo.

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  3. Hira Cerqueira escreveu: -" JGR o grande, sempre inspirando os de talento. Parabéns pelo poema, gostei muito."

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  4. Cybele Pimentel de Sá -" Adorei o texto. Leva a uma reflexão. Loucura não seria o último grau de ausência de carinho, de atenção??? Ficou em mim a pergunta. O final foi o Nirvana para ele que finalmente descansou em paz." .

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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