sexta-feira, 24 de outubro de 2014

UM BEIJO

                                                                                               

                                       Como um vento imprevisto,
rápido e meio rasteiro,
adentrou pela porta do quarto,
estancou ao seu lado que,
deitado na cama, dormia.

Dormia, mas a enxergava.

Inclinou-se sobre ele,
passou a mão direita pelo seu rosto,
envolveu-lhe o queixo e,
com o polegar e o indicador,
pressionou com força suave,
mas contínua, aproximando
suas comissuras labiais.

Foi se formando, lentamente,
dos lábios, um bico.
Formado o bico, manteve-o.
Ficou olhando sua obra;
ora de frente, ora de esguelha.

De olhos fechados,
dormindo, ele via tudo

Sorrindo, ela inclinou-se mais
e, suave, muito suavemente,
como o despertar de uma manhã,
com delicadeza e ternura,
introduziu sua língua morna,
adocicada e maleabilizada,
no bico em que a pressão dos dedos
transformara aqueles lábios.

Foi uma delícia...uma loucura!

Repentinamente,
como um raio,
de maneira oposta à invaginação,
a língua, em um átimo,
se excluiu.

Tentou retê-la sem sucesso.
Abriu os olhos de quero mais.
 Não havia ninguém, 
apenas, em rota de fuga, 
pela janela, um beija-flor. 

2 comentários:

  1. Maria Célia Marques escreveu: - "Essa linha tênue entre a ficção e literatura é o que dá uma cara tão rodriguiana a este poema. Incorporando metáforas que expressam o desnudamento do universo interior humano e seu conflito entre instinto, emoção e razão.
    O vento traz e leva. Entrou, caminhou e inclinou-se sobre seu delírio. Como uma argila amorosa a ser esculpida, acariciou-a. Já sabia sua intenção. Observou e, silenciosamente, esculpiu os lábios. Olhou seu trabalho e gostou. Deu forma ao que desejava. Em um golpe nos lábios pensou: “Fala”! Mas, ele dormia. Maliciosamente, aproveitou para despertar a ternura que sentia por sua “obra”. Na argila macia importou seu desejo em forma de beijo. Parecia tão real. Num súbito, caiu em si e se excluiu".

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  2. Maria Alice De Toledo Gaspar escreveu: -"Sua sensibilidade e escrita tão apuradas nos conduzem a um universo de emoções e nos levam, nas asas coloridas de um beija-flor, ao mais recôndito de nosso ser. Ele parte..mas deixa o momento fugidio da ternura...bom sonhar! Parabéns, Orlando, amei!"

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